sábado, 2 de junho de 2012

Fato do Príncipe e Fato da Administração

Direito Administrativo. Contrato de obra. Indenização por quebra do equilíbrio econômico financeiro - lucros cessantes calculados sobre contratos perdidos pela empresa em razão de sua paralisação - danos morais.
1. O reequilíbrio econômico financeiro de um contrato administrativo é necessário diante da prova de que ocorreu alteração unilateral do contrato (art.58, parágrafo 2º, da Lei de Licitações), fato do príncipe, fato da Administração ou situações que se enquadrem na teoria da imprevisão (os três últimos previstos no art. 65, II, "d", da Lei de Licitações), incluindo o caso fortuito e força maior(art.65, II, "d").
2. O termo aditivo 02, idêntico nos dois contratos, aumenta o número de residências que a empresa deveria construir, enquanto os demais termos aditivos reconhecem e deferem (termos 02 até 10 no 1º contrato, termos 02 a 09 no segundo contrato) prorrogação de prazo em razão de atrasos na obra impostos pela chuva, falta de energia elétrica, greve de ônibus e outros fatores que se enquadram ora em caso fortuito, ora em força maior. A situação foi confirmada por perícia que atestou que o tempo de duração dos contratos, no qual a empresa precisou manter seu pessoal de escritório e operacional mobilizados, foi muito superior ao originalmente previsto em razão dos dois fatores: alteração unilateral do contrato pela Administração e caso fortuito/força maior.
3. Tanto a alteração unilateral quanto as situações de caso fortuito/força maior desequilibraram a equação econômico financeira do contrato, na medida em que a empresa precisou pagar os salários de seus empregados e encargos sociais por um tempo muito maior do que o originalmente foi previsto e cotado (custos) para licitação e lançado como parte da prestação pecuniária devida em favor do particular nos dois contratos. A situação se enquadra no art.65, II, "d", da Lei 8666/91.
4. O pedido de dano moral e de lucros cessantes derivados de paralisação da empresa em virtude dos prejuízos que teve nos contratos com a Administração não se enquadram na idéia de reequilíbrio econômico do contrato, no qual só se observa a mudança nos parâmetros da equação interna a esse pacto entre as partes, comparando encargos e benefícios. Esses pedidos só podem ter por base a responsabilidade objetiva do art. 37, §6º, da Constituição, dentro da qual é necessário demonstrar a conduta da Administração, o resultado danoso e o nexo de causa e efeito entre ambos, porém, com possibilidade de exclusão da responsabilidade na hipótese de caso fortuito/força maior e culpa exclusivo da vítima (teoria do risco administrativo).
5. Os termos aditivos e o laudo pericial mostram que a quase totalidade de tempo acrescido ao contrato o foi por caso fortuito e força maior, sendo de se observar que no cálculo do perito foram considerados apenas os dias parados indicados nos termos aditivos 02, 03, 04, 05 e 06, os quais se referem respectivamente a força maior comprovada no diário de obra (34 dias), fatores diversos que dificultaram a obra (fornecimento de energia, sábados não trabalhados, períodos chuvosos e outros- 60 dias), sábados não trabalhados (60 dias), chuva e falta de energia (34 dias) e, no último, apenas chuva (21 dias).
6. Todas essas situações foram de caso fortuito ou força maior, de modo que em princípio não haveria nexo de causa e efeito com qualquer conduta da Administração para que se pudesse lhe imputar a responsabilidade.
7. O laudo pericial, porém, reconhece matematicamente o acréscimo de custo com quebra da equação econômica financeira e a própria União reconheceu a situação na via administrativa, pagando indenização computada sobre o custo de manutenção do pessoal do escritório. Foi instada pela empresa sobre a falha para pagar também o custo de manutenção do pessoal operacional (pedreiros etc.), mas apesar da situação jurídica ser idêntica, negou a indenização.
8. Aqui aparece a conduta da União que dependeu apenas de sua vontade e não do caso fortuito ou força maior (negativa de pagamento do reequilíbrio).
9. O laudo pericial contábil confirma que em razão do não deferimento desse pagamento a empresa precisou alienar seu patrimônio e também alguns bens particulares dos sócios para pagar salários e encargos sociais dos empregados da obra em razão do tempo acrescido fora da previsão original.
Precisou também recorrer a empréstimos, sendo pontuado no laudo os juros e outros encargos e tributos arcados. Acabou paralisando suas atividades e perdendo todo crédito na praça. Nada disso teria ocorrido se a União tivesse pago o custo do pessoal operacional, da mesma forma que o fez com o pessoal administrativo, visando reequilibrar o contrato. Presente a conduta ativa da União em negar o pedido de reequilíbrio e o nexo de causa e efeito com danos experimentados pela empresa particular é devida a indenização.
10. O prejuízo atinente aos juros, encargos e tributos é dano emergente que a empresa não suportaria se tivesse recebido da União o dinheiro necessário para pagar os empregados.
11. O dano moral, consistente no abalo do crédito e na própria paralisação da atividade, levando a empresa a uma situação pré-falencial (laudo pericial), de modo a afetar até seu direito à existência, é grave e deve ser indenizado. Visando compensar o dano, mas sem gerar enriquecimento sem causa, deve o dano moral ser fixado em R$ 50.000,00.
12. Quanto aos lucros cessantes era ônus da empresa provar sua existência e extensão(valor), nos termos do art. 333, I, do CPC, mas não o fez. O laudo pericial aponta como lucro cessante o valor de correção monetária(sic) aplicada sobre a dívida da União, o que é absurdo. Lucro cessante demandaria prova de que se estivesse em atividade a empresa teria um lucro razoável de X, ou ainda que perdeu este ou aquele negócio jurídico em razão de sua condição financeira atual, não existindo prova nesse sentido. Mera possibilidade de negócios futuros, incluindo licitações que a empresa poderia vencer ou perder, não podem ser considerados como lucro cessante, pois nesta categoria só se enquadram negócios jurídicos prováveis concretamente e o ganho que a empresa razoavelmente poderia esperar deles.
Não se trata de mera possibilidade abstrata de ter realizado outras obras.
A média de lucro em balanços passados de nada serve, pois uma empresa pode fazer negócios em um período e ficar sem clientes em outro, ainda mais se tratando de empresa dedicada a obras, com ênfase em obras públicas dependentes de licitação.
13. A apelação da União no que tange à compensação dos prejuízos causados pela empresa não pode ser acolhida, pois o valor já foi em sua quase totalidade acatado na sentença, como base no laudo pericial que o reconheceu, sendo que não há recurso da empresa contra este ponto. O valor maior que a União pretende não foi reconhecido no laudo pericial e não foi apresentada qualquer outra prova que o desminta, aliás, a Apelante sequer se dignou a dizer porque discordaria do valor apontado pelo perito, apenas repetindo sua intenção de compensar prejuízos, o que a sentença já reconheceu.
14. Os juros de mora após a entrada em vigor do novo Código Civil não devem seguir a Selic, mas sim o percentual de 1%. Precedentes.
15. Apelação da União e remessa providas apenas no que tange aos juros de mora. Apelação da empresa provida em parte para deferir a indenização por danos morais e a indenização dos juros, encargos e tributos pagos para obter financiamentos bancários (laudo pericial). Sucumbência inalterada.

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