sábado, 9 de julho de 2011

Causas Excludentes de Ilicitude

Causas Legais de Exclusão da Ilicitude
Estado de Necessidade
Conceito
Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
A regra é de que ambos os bens em conflito estejam amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens é que levará, em virtude da situação em que se encontravam, à prevalência de um sobre o outro. Seria como se o ordenamento jurídico colocasse os bens em conflito, cada qual em um dos pratos de uma balança, ambos protegidos[1].
Quando os bens estão acondicionados nos pratos dessa “balança”, inicia-se a verificação da prevalência de um sobre o outro. Surge como norteador do estado de necessidade o princípio da ponderação dos bens. Vários bens em confronto são colocados nessa balança, a exemplo da vida e do patrimônio. Poderemos então, avaliá-los com a finalidade de determinar  a sua preponderância.

v Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante
Para que se faça distinção entre estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante é preciso conhecer as duas teorias existentes a esse respeito: teoria unitária e teoria diferenciadora.
Para levar a efeito essa teoria é preciso relembrar que estaremos, mais uma vez, colocando os bens em confronto na “balança do ordenamento jurídico”, erigindo o princípio da ponderação de bens.
Para a TEORIA UNITÁRIA, adotada pelo nosso Código Penal, todo estado de necessidade é JUSTIFICANTE, ou seja, tem a finalidade de eliminar a ilicitude do fato típico praticado pelo agente. Para esta teoria não importa se o bem protegido pelo agente é de valor superior ou igual àquele que está sofrendo a ofensa, uma vez que em ambas as situações o fato será tratado sob a ótica das causas excludentes da ilicitude[2].
A teoria diferenciadora traça uma distinção entre o estado de necessidade justificante (que afasta a ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (que elimina a culpabilidade), considerando os bens em conflito.
Mesmo para a teoria diferenciadora existe uma divisão interna quanto à ponderação dos bens em conflito. Para uma corrente, haverá estado de necessidade justificante somente nas hipóteses em que o bem afetado foi de valor inferior àquele que se defende. Assim, haveria estado de necessidade justificante, por exemplo, no confronto entre a vida e o patrimônio, ou seja, para salvar a própria vida, o agente destrói patrimônio alheio. Nas demais situações, vale dizer, quando o bem salvaguardado fosse de valor igual ou inferior àquele que se agride, o estado de necessidade seria exculpante.
Em síntese, o Código Penal optou pelo estado de necessidade justificante, ou seja, aquele que tem por finalidade eliminar a ilicitude, elencando, na redação do artigo 24, os elementos objetivos necessários à sua caracterização, vale dizer, a prática de fato, para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

v  Prática de fato para salvar de perigo atual
O artigo 24 do Código Penal inicia sua redação dizendo: Considera-se em estado de necessidade quem pratica fato para salvar de perigo atual... A primeira discussão surge, portanto, logo na parte inicial do citado artigo 24, no sentido de determinar o que seja perigo atual, de modo a justificar a ação daquele que causa lesão em bens de terceiros também protegidos pelo nosso ordenamento jurídico.
A maioria dos autores concluem que na expressão perigo atual também está incluído o perigo iminente. Somente afastará a referida causa de exclusão da ilicitude o perigo passado, ou seja, o perigo já ocorrido, bem como o perigo remoto ou futuro, onde não haja uma possibilidade quase que imediata de dano[3].

v Perigo provocado pelo agente
A expressão “que não provocou por sua vontade” quer traduzir-se tão –somente a conduta dolosa do agente na provocação da situação de perigo, seja esse dolo direto ou eventual. Suponhamos que alguém, dentro de um cinema pertencente a seu maior concorrente, com a finalidade de dar início a um incêndio criminoso, coloque fogo numa lixeira ali existente. Não pode o agente, visando salvar a própria vida, disputar a única saída de emergência, causando lesões ou mesmo a morte de outras pessoas, uma vez que ele, por vontade própria, ou seja, de forma dolosa (ato de atar fogo à lixeira), provocou a situação de perigo. Agora, imaginemos, que o agente esteja fumando um cigarro nesse mesmo cinema. Quando percebe a presença do “lanterninha” – que caminhava na sua direção porque havia visto a fumaça produzida pelo cigarro – e, querendo livrar-se dele, arremessa – o para longe, ainda acesso, vindo, agora, em virtude da sua conduta imprudente, causar o incêndio. Aqui, mesmo que o agente tenha provocado a situação de perigo, não o fez dirigindo finalisticamente a sua conduta para isso. Não queria ele, efetivamente, dar início a um incêndio, razão pela qual, mesmo tendo atuado de forma culposa, poderá, durante a sua fuga, se vier a causar lesões ou mesmo a morte em outras pessoas, alegar o estado de necessidade[4].

v Evitabilidade do dano
Para que se possa alegar o estado de necessidade, exige a lei que o agente, além de praticar fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, não tenha tido possibilidade de, no caso concreto, evitar o dano produzido pela sua conduta.
A situação, aqui, pode ser colocada de duas maneiras:
a)    O agente tinha como evitar o dano, deixando de praticar a conduta;
b)    Entre duas opções danosas, o agente podia ter escolhido a menos gravosa para a vítima.
Isso significa que aquele que age em estado de necessidade, na verdade, não tem opção a escolher, pois que sempre deverá seguir o caminho menos gravoso, ao contrário do que ocorre com a legítima defesa. No estado de necessidade há dois bens jurídicos protegidos em confronto.

v Estado de necessidade próprio e de terceiros
Permite a lei, ainda, que o agente pratique o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio. É o denominado de estado de necessidade próprio ou de terceiro. De forma mais clara, queremos salientar o seguinte: nem sempre aquele que estiver fora da situação de perigo poderá auxiliar terceira pessoa, valendo-se do argumento do estado de necessidade, mesmo que seja essa a sua finalidade. O bem a ser considerado deve ser indisponível.

v Razoabilidade do sacrifício do bem
O princípio da razoabilidade, norteador do estado de necessidade, vem expresso no artigo 24 do Código Penal pela expressão cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Aqui sobreleva a necessidade da ponderação dos bens em conflito, para se concluir se o bem que é defendido pelo agente é de valor superior, igual ou mesmo inferior àquele que é atacado.
É razoável que a vida (bem de maior valor) seja preservada em prejuízo do patrimônio alheio (bem de menor valor); há possibilidade, ainda, no confronto entre bens de igual valor (vida versus vida, patrimônio versus patrimônio, integridade física versus integridade física), que um deles prevaleça em detrimento do outro.

v Dever legal de enfrentar o perigo
Conforme preconiza o artigo 24, § 1º do Código Penal, não pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
Em razão do compromisso assumido, sendo conhecedor dos riscos que tais profissões impõem, é que o legislador criou a regra do § 1º do art. 24 do Código Penal, esclarecendo que esses profissionais, geralmente, não podem alegar o estado de necessidade.

v Estado de necessidade defensivo e agressivo
Diz-se defensivo estado de necessidade quando a conduta do agente dirige-se diretamente ao produtor da situação de perigo, a fim de eliminá-la. Agressivo seria o estado de necessidade em que a conduta do necessitado viesse a sacrificar bens de um inocente, não provocador da situação de perigo.
O perigo pode ser proveniente de ações humanas, de animais, de coisa etc.

v Estado de necessidade putativo
Pode ocorrer, ainda, que a situação de perigo, que ensejaria ao agente agir amparado pela causa de justificação do estado de necessidade, seja, putativa, vale dizer, que ocorra somente na sua imaginação.
O problema deve ser resolvido mediante a análise das chamadas descriminantes putativas, previstas no § 1º do art. 20 do Código Penal, assim previsto:
Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Aplicação deste parágrafo:
a)    Se considerarmos escusável, invencível o erro no qual incidiu o agente, deverá ser considerado isento de pena;
b)    Se entendermos inescusável, vencível o erro, agora, embora não responda pelos resultados por ele produzidos a título de dolo, será responsabilizado com as penas correspondentes a um crime culposo, se previsto em lei.

Legítima Defesa
Como é do conhecimento de todos, o Estado, por meio de seus representantes, não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos[5] a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.
 Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois que encontra suas regras na própria lei penal. Para que se possa falar em legítima defesa, que não pode jamais ser confundida com vingança privada é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente por nossa segurança pública, e, só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa ou na defesa de terceiros.
A Legítima Defesa está prevista no artigo 23, inciso II do Código Penal e está definida juridicamente no artigo 25 do CP:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
II - em legítima defesa;
Legítima defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Requisitos Objetivos:
a)    Agressão Injusta
O que podemos entender por injusta agressão, de modo a legitimar a situação de defesa? Ou, melhor, dizendo, o que vem a ser injusta agressão? Respondendo a essas indagações, esclarece Maurach que, “por agressão deve entender-se a ameaça humana de lesão de um interesse juridicamente protegido; ou, ainda, na lição de Welzel, “por agressão deve entender-se a ameaça de lesão de interesses vitais juridicamente protegidos (bens jurídicos), provenientes de uma conduta humana[6].
A agressão é somente ato humano e deve ser injusta, e é cabível agir em legítima defesa contra inimputável.
Se o animal for utilizado por uma pessoa como instrumento de agressão, este poderá se defender atuando em legítima defesa.
b)    Agressão Atual ou Iminente
Costuma-se dizer que atual é a agressão que está acontecendo; iminente é aquela que está prestes a acontecer.
Não existe legítima defesa contra agressão passada, e a agressão futura é, na verdade, uma ameaça.
c)    Moderação no uso dos meios necessários
Além de o agente selecionar o meio adequado à repulsa, é preciso que, ao agir, o faça com moderação, sob pena de incorrer no chamado excesso. Quer a lei impedir que ele, agindo inicialmente numa situação amparada pelo Direito, utilizando os meios necessários, atue de forma  imoderada, ultrapassando aquilo que, efetivamente, seria necessário para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada.
O excesso doloso ou culposo é punido pelo ordenamento jurídico penal.
Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

d)    Defesa de direito próprio ou alheio
Há possibilidades, ainda, de o agente não só defender-se a si mesmo, como também de intervir na defesa de terceira pessoa, mesmo que esta última não lhe seja próxima, como nos casos de amizade e parentesco. Fala-se, assim, em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiros.
Destaca-se o elemento subjetivo da legítima defesa, ou seja, o animus do agente é que deverá sobressair.
e)    Espécies de Legítima Defesa
Podemos apontar duas espécies de legítima defesa, a saber:
v  Legítima defesa autêntica (real): ocorre quando a situação de agressão injusta está efetivamente ocorrendo no mundo concreto. Existe, realmente, uma agressão injusta que pode ser repelida pela vítima, atendendo aos limites legais.
v  Legítima defesa putativa: ocorre quando a situação de agressão é imaginária, ou seja, só existe na mente do agente. Só o agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agredido injustamente. A legítima defesa imaginária é um caso clássico das chamadas descriminantes putativas, previstas no § 1º do artigo 20 do Código Penal.

Legítima Defesa Defensiva: a reação do agredido não configura Fato Típico.
Legítima Defesa Agressiva: a reação do agredido configura fato típico.
Legítima Defesa Subjetiva: é o excesso exculpável na legítima defesa, ou seja, a pessoa que está em legítima defesa comete excesso sem dolo e sem culpa. Aqui, para a Jurisprudência e para a doutrina há exclusão da Culpabilidade.
Legítima Defesa Sucessiva: é a legítima defesa praticada contra o excesso na legítima defesa.
Questões finais
 É impossível legítima defesa contra legítima defesa, pois a legítima defesa é a reação contra a agressão injusta e o autor de uma agressão injusta não pode estar também em legítima defesa.
É possível legítima defesa Real contra legítima defesa Real sucessivamente, aqui nós temos o excesso.
É possível legítima defesa Real contra legítima defesa Putativa, e podemos dar como exemplo: “A” e “B” são inimigos, encontram-se na rua. “A” leva a mão ao bolso do paletó para atender o celular, “B” pensando que “A” está pegando uma pistola, saca o revólver para matá-lo. “A” saca também um revólver e mata “B”. Conclusão: houve legítima defesa putativa de “B” quando houve legítima defesa real de “A”.
Requisito Subjetivo da Legítima Defesa: é o conhecimento da situação.

Estrito Cumprimento do Dever Legal
Está previsto no artigo 23, inciso III do Código Penal, 1ª parte.
Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal 
Aqui, da mesma forma que as demais causas de justificação, exige-se a presença de seus elementos objetivos e subjetivos.
Primeiramente, é preciso que haja um dever legal imposto ao agente, dever este que, em geral, é dirigido àqueles que fazem parte da Administração Pública, tais como os oficiais de justiça e os policiais. Em segundo lugar, é necessário que o cumprimento a esse dever se dê nos exatos termos impostos pela lei, não podendo em nada ultrapassá-los.
Conceito:
É o cumprimento, sem excessos, de um dever previsto em lei, ou outra norma jurídica, por quem exerce função pública.
O excesso doloso ou culposo é punível, a palavra “estrito” significa sem excesso, ou seja, no estrito limite da lei.
A expressão legal está empregada em sentido amplo, o dever pode estar previsto em lei ou em outro ato normativo.
Esta excludente só pode ser alegada por agentes públicos, ou seja, não pode ser alegada por particulares.

Exercício Regular de Direito
Está previsto no artigo 23, inciso III, 2ª parte do Código Penal, a seguir:
Exclusão de ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Conceito:
É um exercício, sem excessos, de um direito previsto em lei ou outro ato normativo, por particulares.
O excesso doloso ou culposo é punível, a palavra “regular” significa sem excesso. Esta excludente só pode ser alegada por particulares.

Ofendículos
São aparatos visíveis utilizados para proteger o patrimônio, como por exemplo, cercas elétricas, cacos de vidro no muro, cachorro etc.
Natureza jurídica dos Ofendículos
Enquanto não acionado, é exercício regular de direito (direito de proteger o patrimônio); se for acionado, é legítima defesa, pois estava ocorrendo agressão injusta ao patrimônio.
A doutrina entende que o ofendículo exclui a ilicitude se estiver em local inacessível a terceiros inocentes; o que significa dizer, o excesso do uso dos ofendículos é punível.

Consentimento do Ofendido
É uma causa supralegal de exclusão da ilicitude, foi criada pela doutrina e pela jurisprudência, e não está na lei.
v  Requisitos
a)    A falta de consentimento não é elementar do tipo penal; se a falta  de consentimento é elementar do tipo penal, o consentimento exclui a tipicidade.
b)    O ofendido deve ser capaz de consentir, ou seja, o consentimento dado por um incapaz não é válido.
c)    O consentimento tem que ser livre e consciente.
d)    O consentimento deve ocorrer antes ou durante a execução do crime.
e)    O bem deve ser próprio.
f)     O bem deve ser disponível, passível de renúncia.
Conclui-se, portanto que presentes os cinco requisitos o consentimento excluirá a ilicitude.
      


[1] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. V. I. Impetus.
[2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. V. I. Impetus.
[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. V. I. Impetus.
[4] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. V. I. Impetus.

[5] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. V. I. Impetus.
[6] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral. V. I. Impetus.

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