segunda-feira, 25 de julho de 2011

Culpabilidade

Culpabilidade
Conceito de Culpabilidade
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (Teoria Normativa Pura, proveniente do Finalismo)[1].
Nas lições de Welzel, “culpabilidade é a reprovabilidade da configuração da vontade”, toda culpabilidade é, segundo isso, ‘culpabilidade de vontade’.
O conceito de culpabilidade apresentou significativa evolução, podendo-se mencionar as seguintes principais teorias:
v  Psicológica (Causalista): culpabilidade é importante elemento do crime, na medida em que representa o seu enfoque subjetivo, isto é dolo e culpa.
v  Normativa ou Psicológico – normativa (Causalista): dando ênfase ao conteúdo normativo da culpabilidade, e não simplesmente ao aspecto psicológico (dolo e culpa), acrescentou-se o juízo de reprovação social (ou de censura), que se deve fazer em relação ao autor de fato típico e antijurídico, quando considerado imputável (a imputabilidade passa a ser elemento da culpabilidade e não mero pressuposto), bem como se tiver agido com dolo (que contém a consciência da ilicitude) ou culpa, além de haver prova da exigibilidade e da possibilidade de atuação conforme as regras do Direito.
v  Normativa Pura (Finalista): a conduta, sob a ótica do finalismo, é uma movimentação corpórea, voluntária e consciente, com uma finalidade. Logo, ao agir, o ser humano possui uma finalidade, que á analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo. Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude e com exigibilidade e possibilidade de um comportamento conforme o Direito. Em outras palavras, há roubos (fatos) mais reprováveis que outros, bem como autores (agentes) mais censuráveis que outros.
v  Funcionalista: embora sem consenso, autores denominados pós-finalistas passaram a sustentar um conceito de culpabilidade que se vinculasse às finalidades preventivo-gerais da pena, bem como à política criminal do Estado.
Exemplo típico da doutrina: se o gerente de um banco tem a família seqüestrada, sob ameaça de morte, ordenando-lhe o seqüestrador que vá ao estabelecimento onde trabalha e de lá retire o dinheiro do cofre, pertencente ao banqueiro. O que poderá fazer?  Coagido irresistivelmente, cede e subtrai o dinheiro do patrão para entregar a terceiro. Seu livro-arbítrio poderia tê-lo conduzido a outro caminho? Sem dúvida. Poderia ter-se negado a agir assim, mesmo que sua família corresse o risco de morrer. Seria, no entanto, razoável e justo? Que sociedade teria condições de censurar o pai que salva a vida dos seus filhos, embora tenha optado pelo caminho do juridicamente injusto (furto)? Em suma, é natural supor que o gerente tivesse dois caminhos - aceitar ou não a ordem recebida – optando pelo respeito às regras jurídicas, que coíbem a subtração de coisa alheia, ou pelo desrespeito das mesmas, justamente por estar em situação de inexigibilidade de conduta diversa. O livre-arbítrio pode levar o agente a subtrair coisa pertencente a terceiro, porém em situação excepcional. A análise dessa anormalidade pode ser feita por qualquer magistrado, de modo que não há necessidade de se recorrer a critérios normativos ou funcionais, nem ao menos à política criminal. A culpabilidade, pois, deve ser um juízo de censura voltado ao fato cometido por imputável, que tem consciência potencial da ilicitude e, dentro do seu livre-arbítrio (critério da realidade), perfeitamente verificável, opte pelo caminho do injusto sem qualquer razão plausível a tanto.
A culpabilidade é fundamento e limite da pena, integrativa do conceito de crime e não mero pressuposto da pena, como se estivesse fora da conceituação.

Culpabilidade formal e culpabilidade material
A culpabilidade formal é a censurabilidade merecida pelo autor do fato típico e antijurídico, dentro dos critérios que norteiam, isto é, se houver imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de atuação conforme o Direito. Já a culpabilidade material é a censura realizada concretamente, visualizando-se o fato típico e antijurídico e conhecendo-se o seu autor, imputável, com consciência potencial do ilícito e que, valendo-se do seu livre-arbítrio, optou pelo injusto sem estar fundado em qualquer causa de exclusão da culpabilidade, por fatores de inexigibilidade de conduta diversa.

Excludentes de culpabilidade
As excludentes de culpabilidade podem ser divididas, para seu estudo, em dois grupos, as que dizem respeito ao agente e as que concernem ao fato, e em seguida podemos subdividi-las em legais e supralegais.
Excludentes concernentes ao agente do fato

v Imputabilidade penal
É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade.
O inimputável (doente mental ou imaturo, que é o menor) não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-se lhe medida de segurança, que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto, da culpabilidade. O autor de um fato típico e antijurídico, sem compreensão do que fazia, não merece ser considerado criminoso – adjetivação reservada a quem, compreendendo o ilícito, opta por tal caminho, sofrendo censura -, embora possa ser submetido a medida especial cuja finalidade é terapêutica, fundamentalmente.
Como já afirmado, as condições pessoais do agente para a compreensão do que faz demanda dois elementos:

v  Higidez biopsíquica: saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato;
v  Maturidade: desenvolvimento físico mental que permite ao ser humano estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se diante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias ideais e possuir segurança emotiva, além de equilíbrio no campo sexual.
No Brasil, optou-se para verificar a maturidade pelo critério cronológico, isto é, ter mais de 18 anos.
v Doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado
Doença mental é um quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas (antes chamadas de psicose maníaco-depressiva ou acessos alternados de excitação e depressão psíquica) e outras psicoses. O conceito deve ser analisado em sentido lato, abrangendo as doenças de origem patológica e de origem toxicológica.
São exemplos de doenças mentais:
*      Epilepsia (acessos convulsivos ou fenômenos puramente cerebrais, com diminuição da consciência, quando o enfermo realiza ações criminosas automáticas; a diminuição da consciência é denominada de ‘estado crepuscular’);
*      Histeria: (desagregação da consciência, com impedimento ao desenvolvimento de concepções próprias, terminando por falsear a verdade, mentido, caluniando);
*      Neurastenia (manifesta irritabilidade e alteração de humor);
*      Psicose maníaco-depressiva (vida desregrada, mudando humor e caráter alternativamente, tornando-se capaz de ações cruéis, com detrimento patente das emoções);
*      Melancolia (doença dos sentimentos, que faz o enfermo olvidar a própria personalidade);
*      Paranóia (normalmente composta de um delírio de perseguição);
*      Alcoolismo (doença que termina por rebaixar a personalidade, com freqüentes ilusões e delírios de perseguição);
*      Esquizofrenia (perda do senso da realidade, havendo nítida apatia, não diferencia realidade e fantasia);
*       Psicose carcerária (a mudança de ambiente faz surgir uma espécie de psicose);
*      Senilidade (modalidade de psicose surgida na velhice).
O desenvolvimento mental incompleto ou retardado consiste numa limitada capacidade de compreensão do ilícito ou da falta de condições de se autodeterminar, conforme o precário entendimento, tendo em vista ainda não ter o agente atingido a sua maturidade intelectual e física.
v Embriaguez decorrente de vício
 Faz-se mister estabelecer diferença entre embriaguez (mera intoxicação do organismo pelo álcool) e alcoolismo (embriaguez crônica), levando em conta ser o alcoolismo considerado doença mental, logo aplica-se o disposto no artigo 26, caput, do Código Penal.

TÍTULO III
DA IMPUTABILIDADE PENAL
 Inimputáveis
 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
 Redução de pena
 Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

v Menoridade

Trata-se da adoção do critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 (dezoito) anos, em face do desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Observações: a maioridade penal, além de não ser direito fundamental em sentido material (não há notícia de reconhecimento global nesse prisma), também não o é no sentido formal, portanto não há qualquer impedimento para emenda constitucional suprimindo ou modificando o artigo 228 da Constituição.
v Excludentes concernentes ao fato

*      Coação moral irresistível
Cuida-se de situação de inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista que o agente atua sem condições de resistir à coação e, em face disso, de cumprir as regras impostas pelo Direito, não merecendo censura.
Elementos:
a)    Existência de uma ordem não manifestamente ilegal;
b)    Ordem emanada de autoridade competente;
c)    Existência, como regra, de três partes envolvidas;
d)    Relação de subordinação hierárquica;
e)    Estrito cumprimento da ordem.
*      Embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior
É a intoxicação do organismo em função do álcool, sem que o agente perceba a hipótese de se embriagar ou quando não tenha como reagir à ingestão da droga, retirando-lhe a capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato ou da determinação de acordo com tal compreensão. Não haverá juízo de reprovação social, afastando-se a culpabilidade.
É fortuita a embriaguez decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o agente não tinha a menor idéia de que estava ingerindo substância entorpecente ou quando mistura o álcool com remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito da droga, sem estar devidamente alertado para isso. Embriaguez decorrente de força maior é a que se origina de eventos não controláveis pelo agente, tal como a pessoa submetida a um trote acadêmico violento, é amarrada e obrigada a ingerir, à força, substância entorpecente.
Embriaguez voluntária ou culposa
Voluntária é a embriaguez desejada livremente pelo agente e culposa, aquela que ocorre por conta da imprudência do bebedor. Nestes casos o Código Penal não exclui a culpabilidade do agente.
Teoria da actio libera in causa: com base no princípio de que a “causa da causa também é causa do que foi causado”, leva-se em consideração  que, no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa.
v  Embriaguez incompleta fortuita
Nesse dispositivo não consta a exigência de ser a embriaguez completa, podendo-se, portanto, admitir a embriaguez incompleta que, no entanto, há de ser fortuita ou resultante de força maior, bem como suficiente para gerar, ao tempo da conduta, entendimento dificultado do caráter ilícito do fato ou determinação do comportamento de acordo com esse entendimento.
Tendo em vista que, nessa situação, o agente é imputável, pois tem conhecimento parcial do ilícito praticado, portanto culpável, há possibilidade de ser condenado, embora com redução da pena, tendo em vista que a reprovação social é menor.
v  Erro de proibição escusável e descriminantes putativas
Erro de tipo e erro de proibição.
v  Inexigibilidade de conduta diversa
Há intensa polêmica na doutrina e na jurisprudência a respeito da aceitação da Inexigibilidade de conduta diversa como tese autônoma, desvinculada das excludentes da coação moral irresistível e da obediência hierárquica. Segundo Guilherme de Souza Nucci é perfeitamente admissível o seu reconhecimento no sistema penal pátrio.
v  Estado de necessidade exculpante
É uma situação particular de inexigibilidade de conduta diversa, quando o agente opta salvar bem de menor valor, deixando perecer outro, de maior valor, porque não lhe era razoável exigir que tivesse outra atitude.
v  Excesso exculpante
Decorrente de medo, perturbação de ânimo ou surpresa no ataque, o agente termina exagerando na reação porque outra conduta não lhe era razoavelmente exigível no caso concreto.
v  Excesso acidental
Decorre do fortuito, que não merece juízo de censura. Portanto, o agente termina exagerando minimamente na reação, na proteção de bem jurídico, no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever.



[1] GRECO, Rogério. Manual de Direito Penal – parte geral parte especial, 5ª Ed. Revista dos Tribunais.

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